INTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE GETULIO VARGAS

Fundado em 14 de junho de 1995

terça-feira, 31 de maio de 2011

A Revolução Federalista e o Sertão do Alto Uruguai

Foto: Batalhão de lanceiros de Prestes Guimarães, na Revolução Federalista de 1893



Prof. Neivo Angelo Fabris *

Ao escrever sobre o povoamento do território pela raça branca, fatores pró e contra, evolução até 1856, ano que antecede a criação do município de Passo Fundo, Francisco Antonino Xavier de Oliveira talvez tenha sido o primeiro historiador a apontar o Sertão do Alto Uruguai como local de refugio. O registro em questão se refere ao Cacique Manoel Grande e seu grupo, após o assassinato de Clementino dos Santos Pacheco, proprietário da Fazenda Quatro Irmãos e alguns de seus funcionários. O mesmo historiador descreve que no período de 1890 a 1895, não há registro de qualquer entrada de imigrante no município, atribuindo tal fator a Revolução Federalista. O conflito que coloca os riograndenses em lados opostos entre os anos de 1893 e 1895 vai ter reflexos diversos no vasto “Sertão Uruguai”.

Realçando a importância da ferrovia que atravessa a região, ligando a sede do município a Estação Alto Uruguai, hoje Marcelino Ramos, Juarez Miguel Illa Font, na página 92 da obra “Serra do Erechim – Tempos Heróicos”, lembra que o topônimo original do local fora “Barra”, “assim batizado pelos primeiros moradores, a maioria refugiados da Revolução de 93”. O autor não cita a fonte, e dá a entender que a guerra civil faz da região um local de abrigo para aqueles que se sentem ameaçados pelo conflito.

Em que pese estar afastado da disputa política e militar, entrechoques irão ocorrer nesta parte do município de Passo Fundo durante o período revolucionário. O episódio é registrado por Illa Font do seguinte modo: “Da serra do Capo-Erê, próximo ao Arroio Teixeira, comandando 190 homens Veríssimo Ignácio da Veiga freqüentemente ameaçava a cidade de Passo Fundo. Por isso a força legal incurcionava pela serra a fim de batê-lo”. E prossegue: “Certa vez deu-se memorável combate conhecido pelos nomes de Guamirim ou arroio Teixeira, no qual os homens de Veríssimo, à falta de armas, usaram espadas feitas com a madeira de guamirim”.

Outra referência do autor de Serra do Erechim – Tempos Heróicos – sobre o tema se refere às lembranças de Raul Kurtz Barbosa, filho de João Barbosa de Albuquerque e Silva, lindeiro de Paulo Bento de Sousa, uma das mais antigas da região, na página 83: “No dia 16 de junho de 1893 os republicanos fizeram uma surtida contra os federalistas acampados no Tabuão, entre os quais foram mortos Jorge Pessoa, um seu filho e Vitorio Fanha. Os chefes legalistas eram o tenente-coronel Manoel Bento de Souza, major José Claro de Oliveira e capitão Alipio Ferreira Leão, que seria morto em combate no Rio Pelotas a 31 de março de 1894 quando a força do coronel Manoel do Nascimento Vargas perseguia a tropa de Gumercindo e Aparicio Saraiva”.

A guerra civil atinge diretamente o destino de Isac Barbosa, apontado como o primeiro branco a se estabelecer em Capo-Erê, no ano de 1868. João Germano Imlau, no Álbum do Município de Erechim, editado no ano de 1936 pela Livraria Modelo, registra que Barbosa era natural de São Paulo. E ainda: “teve, porém grandes prejuízos com a Revolução de 1893, morrendo paupérrimo em 1917”. Imlau afirma que Barbosa se refugiou na Argentina, retornando somente com o término da revolução.

Relatório destinado a Carlos Torres Gonçalves, datado de julho de 1907 e assinado por Lindolpho Siha, descreve périplo realizado pelo signatário na região, onde dois anos depois teria inicio a Colônia Erechim. A dificuldade já aparece no inicio da empreitada, quando o grupo conduzido por Lindolpho não encontra a “barra do arroio Facão”, sem que ninguém soubesse informar a respeito do mesmo. Surpresa maior teria o chefe da comissão ao constatar o grande número de habitantes espalhado na região. Ao alertar para a ocupação desordenada, registra que recebeu de Diogo da Silva Rocha, documentos que provam o direito a propriedade, e opina, no entanto, que o mesmo não lhe dão direito algum a essas terras.

No mesmo documento descreve a precariedade dos caboclos que habitam a região: “Visitei, vi oitenta e tantas posses que estão no percurso do reconhecimento. Nenhuma delas deixa de mostrar o espetáculo triste da devastação. Por toda a parte há provas do modo criminoso como se emprega o machado. Pode-se mesmo dizer que nestas passagens é esse um instrumento agrícola obrigado, não sendo o único, sendo o fogo seu complemento.”. Ao declara que não é possível continuar tal situação, é contundente: “é absolutamente preciso, e quanto antes limitar a propriedade dos posseiros, sem isso estarão sempre em conflito pela invasão de terras que supõe serem suas”.

A necessidade de ocupar o território situado ao note do município de Passo Fundo, havia levado o presidente do Estado, Carlos Barbosa Gonçalves, a criar a Colônia Erechim, em seis de outubro de 1908, atendendo solicitação do Engenheiro Carlos Torres Gonçalves, Diretor de Terras e Colonização. Sua instalação vai se dar a partir de outubro do ano seguinte, no quilometro 4,5 a leste do km 56 da ferrovia, onde está hoje à cidade de Getúlio Vargas, após o trabalho de derrubada da floresta, numa área de 500 hectares, cortada pelo Rio dos Índios. A Colônia Erechim, como passa a ser denominada, esta sob a jurisdição ao município de Passo Fundo, conforme Ato n.º 167 de 1910, designado 8º Distrito, e tendo como subintendente o guarda florestal Dinarte Soares de Oliveira.

Novamente, os caboclos, que coabitavam com os índios Coroados, precisam se retirar da região. Desta feita a causa não será a revolução, mas o projeto oficial do governo do Estado. A dificuldade das forças republicanas no controle da região no período em que ocorre a Revolução Federalista, e mesmo de localizar fugitivos da Justiça que escolhem o Sertão como abrigo, talvez tenha sido outra causa da empreitada. Do mesmo modo, a possibilidade de um novo confronto entre governo e oposição, o que de fato irá acontecer no ano de 1923, entre borgistas e assisistas. Os caboclos que irão se arranchar no outro lado do rio Uruguai, no Estado de Santa Catarina vão ter logo adiante outro revés: a Guerra do Contestado, que vai manchar de sangue o oeste catarinense entre os anos de 1912 e 1916.

Bibliografia:

- ÁLBUM DO MUNICÍPIO DE ERECHIM: Prof. João Frainer (organizador), Livraria e Tipografia Modelo, Erechim 1936.

- Illa Font, Juarez Miguel. Serra do Erechim: Tempos Heróicos, Erechim: Empresa Gráfica Carraro Ltda., 1983.

- Oliveira, Francisco Antonino Xavier, Annaes do Município de Passo Fundo. Coord. Por Marilia Mattos (e outros). Passo Fundo, Gráfica e Ed. Universidade de Passo Fundo, 1990.

* Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Getúlio Vargas, professor de História do Colégio Estadual Antônio Scussel, e editor do jornal A Folha Regional.

Comunicação realizada no Seminário 110 Anos da Batalha de Passo Fundo, em 26 de junho de 2004.