Neivo A T Fabris *
No ano de 1909 a Jewish Colonization Association (ICA) adquiriu no Sertão do Alto Uruguai, território do município de Passo Fundo, a Fazenda Quatro Irmãos com uma área de 93.985 hectares. Criada em Londres pelo Barão Maurício de Hirsch havia 18 anos, a ICA tinha entre seus objetivos a instalação de colônias agrícolas em diferentes países, com a emigração de judeus perseguidos no leste Europeu. Passados cem anos, resistem ao tempo marcas do empreendimento, como o Cemitério Judaico, o prédio que abrigou o Hospital Leonardo Cohen e o nome de ruas da sede do município de Quatro Irmãos em homenagem aos pioneiros.
A primeira leva de imigrantes judeus desembarcou na Estação Erebango no ano de 1911, o lugar mais próximo da sede da Colônia Quatro Irmãos servido pela ferrovia que havia entrado em funcionamento no ano anterior. Na localidade, a empresa manteve nos anos iniciais seu escritório. Até o ano de 1914 havia entrado cerca de 250 imigrantes, grande parte da Bessarábia, região banhada pelo Mar Negro, no Império Russo. E ainda das Colônias Maurício e Filippson, ambas de propriedade da ICA, a primeira localizada na Argentina e a segunda, criada em 1904, em Santa Maria.
Além da empresa colonizadora pertencente a ICA, outros projetos de colonização foram responsáveis pela ocupação da região Norte do RS. No mesmo ano que a ICA adquiriu a área da Fazenda Quatro Irmãos, pertencente ao conselheiro Alves Araújo, o governo do Estado, através da Secretaria de Obras Públicas instalou a sede da Colônia Erechim, que recebeu nos anos seguintes migrantes/imigrantes italianos, alemães, poloneses, russos, franceses e outros. A sede da referida colônia originou a cidade de Getúlio Vargas.
A construção da estrada de ferro ligando Santa Maria a Itararé, que cortou a região, foi vital para os empreendimentos de colonização. A Compagnie Auxiliaire de Chemins de Fer au Brésil, empresa belga que havia arrendado o serviço ferroviário no RS, era presidida por Franz Philippson, sócio da ICA e seu vice-presidente. Boa parte da área da Fazenda Quatro Irmãos era coberta de araucária, e além da sede, que posteriormente foi ligado por um ramal férreo a Estação Erbango, foram criadas duas agrovilas denominadas de Baronesa Clara e Barão Hirsch.
Os imigrantes receberam lotes de 25 a 30 hectares, dependendo do número de membros da família. De igual modo uma casa de madeira, instrumentos agrícolas, junta de bois, duas vacas, cavalo e sementes, que deveriam ser pagos a companhia num prazo de dez a quinze anos. Alguns estudos apontam o fracasso da colonização a origem dos imigrantes, que na sua maioria não eram agricultores. O fato é que grande parte dos que se fixaram em Quatro Irmãos nos primeiros anos do projeto abandonaram a colônia para se fixar em Boa Vista do Erechim, Passo Fundo, Santa Maria e Porto Alegre. Os números da ICA revelam que no ano de 1922 permaneciam na área apenas 55 israelitas.
Novos administradores foram nomeados para Quatro Irmãos e outras tentativas de fixação de imigrantes na terra ocorreram sem sucesso. Enquanto os colonos eram instalados em área de campo, a ICA explorava o potencial madeireiro através de inúmeras serrarias. Sem condições de ampliar as atividades agrícolas, restava aos colonos a opção pela criação de gado, o cultivo do amendoim e da mandioca. Nem mesmo a instalação pela ICA de uma fábrica de azeite a partir da produção de amendoim, e de atafona para produção de farinha de mandioca, viabilizaram a atividade primária.
O número de imigrantes foi caindo até que na década de 1930 cessaram por completo. Na década seguinte a exploração da madeira, facilmente escoada pela ferrovia, teve continuidade. A derrubada contínua e a inexistência de áreas de reflorestamento foi denunciada ao governo do Estado, mas o Delegado Florestal do RS saiu na defesa da companhia. O desmembramento de áreas para venda se intensifica e passa a representar a maior fatia do faturamento, seguida da exploração de matos, operação do ramal férreo, venda de mercadorias em estoques, juros e outras de menor importância.
No ano de 1962 a Jewish Colonization Association (ICA) da por encerrada a tarefa de companhia colonizadora e se retira de Quatro Irmãos. O hospital construído no ano de 1933 para atender a população, e que durante anos também serviu a demanda de pessoas da região deixou de receber a subvenção anual. As escolas existentes na área já haviam sido assumidas pelo poder público desde a década de 1940. A população judia de Quatro Irmãos foi diminuindo ainda mais na medida que a ICA foi sendo liquidada.
Hoje a área inicial da ICA no Alto Uruguai integra o território de diversos municípios como Erebango, Jacutinga, Campinas do Sul Erechim e Quatro Irmãos, este emancipado no ano de 1996. Os eleitores de Quatro Irmãos elegeram seu primeiro prefeito e os integrantes da Câmara empossados em 1º de janeiro de 2001. Em pouco mais de oito anos, os governos e comunidade garantiram inúmeros avanços no campo sócio-econômico.
Em que pese ter no município um diminuto número de descendentes dos imigrantes judeus, muitos pioneiros são homenageados com o nome de logradouros públicos. O antigo hospital, que serviu quando da instalação do município como sede do poder executivo foi tombado como patrimônio histórico e abriga o museu. A Sinagoga e a maioria das edificações em madeira já não existem. Preservado está o Cemitério dos Judeus, que periodicamente é visitado por descendentes daqueles que acreditaram ser possível viver numa nova pátria, sem perseguições e em condições de prosperar.
* Professor, presidente do IHGGV e Editor do semanário A Folha Regional,
(Publicado no suplemento Enfoque, editado pelo jornal Diário Serrano (Cruz Alta) e encartado nos jornais impressos nas oficinas do mesmo, dentre os quais A Folha Regional (Getúlio Vargas).
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